Suficiente


Leu a mensagem, pousou o telemóvel e deixou-se possuir pela tristeza. O coração amachucado acelerou e deu-lhe licença para chorar à vontade, para se compadecer de si própria e derramar lágrimas gordas, lagos de água quente que a impediam de ver com clareza. Para ali ficou, o olhar caído no chão, o corpo abandonado na toalha de banho, disforme, repulsivo, embaraçoso. Porque é que se permitira iludir-se daquela maneira? Mas quem se julgava ela afinal? Não era nem nunca tinha sido especial, nunca bastaria, nunca seria o suficiente.  

Não passas de uma gorda. Quem é que vai querer estar contigo? Achas-te tão inteligente, tão espirituosa, tão dedicada, com um sentido de humor tão aguçado mas, no fundo, não passas de uma gorda. 

Tinham-se conhecido numa daquelas aplicações de encontros manhosas e assim que começaram a conversar já não foram capazes de parar. Parou-lhe, isso sim, o cérebro, parou o tempo, parou a Terra de girar. Tinham tanto em comum, pareciam quase um estúpido clichê. Passavam madrugadas a falar e dias inteiros a sonhar acordados. Passaram a ser um do outro, mesmo sem nunca se terem visto. Até ao dia em que ele não aguentou mais a urgência de olhar para ela e a convidou para jantar. 

A toalha caiu-lhe aos pés, qual trapo inútil. A culpa permaneceu, como uma segunda pele.

Não consigo tirar-te da cabeça nem o teu sabor da minha boca... Fazes ideia de como te quero? Preciso de estar contigo outra vez.      

Voltou a ler a mensagem, voltou a ser percorrida pela dor, pequenos alfinetes espetados no corpo que ele não chegara a tocar. O convite para jantar nunca tinha sido aceite. A insegurança sempre levara a melhor, os medos, a vergonha. O que é que esperava? Claro que ele ia acabar por se envolver com outras mulheres, claro que ela não era suficiente. Desde quando uma relação platónica é suficiente? 

Não pôde evitar começar a questionar tudo. Houve alguma coisa que tenha sido real? Não se tratou tudo de um jogo perverso? Ou simplemente da vontade irreprimível de sentir-se amada. Como foi ele capaz? Depois de tudo o que tinham construído. Tinham mesmo construído alguma coisa? O desencanto. Afinal tudo se resumia a sexo. E o amor? O que é, afinal, o amor? 

Tantas vezes me disse que não precisava de mais nada nem ninguém. Que grande mentiroso.

Deixou-se roer pelo ciúme. Tinha sido um duro acordar para a realidade que existia fora da bolha onde se escondia, daquele mundo que ambos tinham inventado para poderem estar juntos. Ainda ia levar algum tempo até se convencer de que ninguém, absolutamente ninguém, a poderia salvar dela mesma.  

Espero que passes a vida a tentar encontrar-me em todas as mulheres. Uma vida inteira à minha procura. A mim, que nunca fui suficiente para ti. 

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