Coisas que não nos dizem



Muito se tem escrito, falado e discutido sobre maternidade. Tanto que quase parece nada mais haver a acrescentar. Há estudos para tudo e sobre tudo, manuais de instruções, cursos de preparação, informação e desinformação aos pontapés na Internet, mil e uma opiniões diferentes, mas... Onde ficam afinal todas as coisas que não nos dizem? Aquelas de que só tomamos consciência quando nos explodem em cheio na cara? 

Hoje deixo a ficção de lado e partilho um pouco da minha realidade. Começando pela gravidez, passando pelo parto, pós parto e desembocando em tudo o que daí advém, esta é a minha lista de coisas que não me disseram.

Gravidez  

O so called estado de graça - mas que de engraçado tem pouco - durante o qual todo e qualquer sintoma chato em que possam pensar, sim, eu tive. 

Começando pelo clichê dos enjoos. Nos filmes é tiro e queda, sempre que há uma prenha lá vai a desgraçada a toda a pressa enfiar a cara na sanita mais próxima. Que a gravidez dá direito a enjoos e vómitos toda a gente sabe, só que dizem os médicos que passa tudo ao fim do primeiro trimestre. E depois há aquelas como eu, que ganharam um bónus e têm enjoos durante nove meses. Qual exorcista qual quê, nem de ressaca vomitava tanto. 

O cansaço constante. Grávidas terem sono é normal, mas de onde vem o cansaço de quem parece que foi atropelada por um camião? Subir meia dúzia de degraus equivale a fazer o cume do Evereste. Com direito a avalanche incluída. 

Também toda a gente sabe que as grávidas fazem muito chichi, mas eu achava que era só no fim da gravidez, quando os putos resolvem usar a nossa bexiga - e pulmões e tripas e costelas - como saco de boxe. Não fazia a menor ideia de que ia acordar todas as noites religiosamente de duas em duas hora desde os primórdios da coisa, quando ainda nem sabia que estava grávida. Se for contabilizar, tenho a certeza de que passei metade da gravidez na casa de banho.   

Nunca tive desejos de nada em especial, mas sim de tudo em particular. Ou seja. Simplesmente apetecia-me comer tudo o que via. Bastava-me ver alguém a comer - o que quer que fosse - e eu tinha de comer também. Os primeiros meses são vividos num permanente estado de fome, uma fome que não passa, mesmo depois de comer tudo o que há no frigorífico, margarina incluída. E ir a correr vomitar logo a seguir.

Por que raio se enche o nariz de crostas? E desata a escorrer sangue do nada, como se tivesse levado um murro? 

O calor constante. A falta de ar e o suor a escorrer por nós abaixo. Passar o verão grávida é como estar dentro de um forno crematório.

Cãibras nas duas pernas ao mesmo tempo, porque claro que só numa não era suficiente. Que raio se passa com o corpo que deixou de saber viver? Nem vou falar da dificuldade em arranjar posição para dormir quando já estamos do tamanho de um camião cisterna.

O maravilhoso mundo não encantado da azia. E claro que vem logo a sabedoria popular que surge em forma de avó, tia ou mãe a vaticinar que o bebé vai nascer cabeludo. 

Não posso deixar de mencionar as pessoas que fingem não nos ver nas filas do supermercado, como se fosse possível não reparar numa barriga que, pelo tamanho, parece albergar um pónei. E que ainda torcem o nariz quando perguntamos se nos podem ceder a vez. 

Hemorróidas. Esta por acaso já sabia mas achei por bem partilhar, no caso de as vossas amigas serem mais pudicas que as minhas, que não têm nem nunca tiveram pruridos de me atualizar sobre o estado das suas partes íntimas. 

Parir e o pós-parto

Se há quem julgue que a cesariana é o caminho mais fácil e rápido de pôr uma cria no mundo, esclareço já aqui. Não é. Não foi planeada, não foi uma escolha minha, o miúdo é que resolveu dar uma de drama queen, do género nunca me apanharão com vida, daqui não saio nem morto e vá de ameaçar o suicídio e enrolar o cordão bem enroladinho à volta do pescoço. E de repente ali estamos nós, impotentes e vulneráveis, bracinhos abertos qual Cristo redentor enquanto nos abrem as entranhas e nos espremem as costelas até o pequeno suicida saltar cá para fora. E nem vou alongar-me sobre o horror que foram as semanas de recuperação, com tantas dores e tão fortes que cheguei a pensar que me tinham deixado um bisturi cá dentro - sim, vejo demasiada Anatomia de Grey.   

A barriga de grávida não dura só nove meses, mas quiçá toda uma vida, uma vez que continua do tamanho de uma abóbora, só que podre de tão mole. Cinco dias depois de parir fui a uma consulta e no hospital quiseram, por duas vezes, dar-me prioridade - exato, agora é que se lembram. A cara de preciso de um buraco para me enfiar quando respondi alegremente que não, olha agora, qual grávida, estou só gorda. 

Chora-se. Muito. Não só o bebé, nós também. A festa das hormonas é bem real e traz consigo montanhas de culpa e de medo. Há todo um luto da vida anterior e uma descoberta de quem é esta nova pessoa que nasceu com o bebé. E ignorar os quilos a mais, o cabelo que, além de não ser lavado há uma semana, cai tanto que é um milagre não ficarmos carecas, a roupa bolsada e os dentes que às quatro da tarde continuam por lavar. Aprendemos a não dar nada por garantido, coisas simples como comer, dormir, tomar banho e respirar deixaram de ser dados adquiridos.

Descobrem-se os grupos de mães nas redes sociais ou, como uma amiga lhes chama, o submundo das mães, onde se tratam umas às outras por mamãs e publicam fotos de miúdos já quase de bigode pendurados nas mamas, acompanhadas invariavelmente por uma legenda onde anunciam com orgulho o número de meses, sim sempre contabilizado em meses, que já levam de mama de fora.

E já que falo em mama, não posso deixar de mencionar as hitlers da amamentação. Há hitlers de todos os tipos, mas estas são das mais caricatas e a solução para todos os males passa invariavelmente por oferecer mais maminha. Não raras vezes surgem mães desgostosas com um discurso lamentoso do género mamãs o meu filho tem 87 meses e meio e está a querer desmamar, mas eu não me sinto preparada, ofereço a maminha e ele não quer, tenho chorado todos os dias e acho que estou a ficar com uma depressão, o que é que me aconselham? Ao que as outras mamãs respondem prontamente coragem mamã, não desista, pode ser um falso desmame, insista sempre mamã, aqui o meu João Miguel também teve uma fase assim, mas continuei a enfiar-lhe a mama pela goela abaixo e hoje em dia ainda mama todas as manhãs antes de ir para a faculdade.

O tempo torna-se bipolar. Uma semana pode conter vários anos e os meses passam sem que deles demos conta. As memórias vão ficando nubladas, foi há dois meses mas parece que foi noutra vida. E de repente já acabou a licença de maternidade e estamos de regresso ao trabalho, mas o cérebro não nos acompanhou e nunca a expressão "como um burro a olhar para um palácio" foi tão adequada. 

Por fim, as crias
 
Sair do hospital com um bebé a reboque é das coisas mais assustadoras de sempre. E esta não precisamos que ninguém nos diga. A pergunta que se impõe nessa altura é e agora? O que é que eu vou fazer contigo? Fala-se muito no instinto maternal e que a mãe sente aquilo de que o que o bebé precisa e que sabe diferenciar choros e por aí fora. Instinto my ass. Ou isso ou o meu está avariado. Sabe Deus quantas vezes lhe terei espetado uma mama na boca a achar que tinha fome quando na verdade ele estava a gritar a plenos pulmões que a fralda lhe fazia comichão no rabo. 

Toda a gente já ouviu falar nas temíveis cólicas. Aquilo de que eu nunca tinha ouvido falar, e gostava de assim ter permanecido, é de bebés com refluxo gastroesofágico. Podia agora abrir aqui um parêntesis gigante ou, quiçá, escrever todo um novo post sobre isto, de tanto que há a dizer. Para não entrar no clichê de só quem sofre na pele é que sabe, vou resumir de uma forma simples e muito, muito redutora: ter um bebé com refluxo é viver em constante sobressalto, num permanente cheiro a azedo e num estado de exaustão que não sei pôr em palavras. Leite bolsado sete, oito, nove, dez vezes, demasiadas vezes, incontáveis vezes, dia e noite, em cima de nós, na cama, no sofá, no chão, por todo o lado, babetes e mais babetes, cinquenta mudas de roupa por dia, estar com o moço na vertical 24 sobre 24 horas (sim, é possível...), meio ano a dormir sentada com ele porque o desconforto não lhe permite nunca (exato, nunca) ficar deitado, choro constante, engasganços, perda de peso, baixo percentil, medicação diária... Nunca ninguém disse ou vai dizer que cuidar de um bebé é fácil. Mas cuidar de um bebé com refluxo é só a merda mais difícil, extenuante e desafiante por que já passei. E tenham em conta que eu cresci em Massamá.  

Trocar a fralda e enfiar roupa a um bebé é em tudo semelhante a tentar vestir um polvo com epilepsia. Com uma mão seguramos-lhe as pernas, com a outra arrancamos a fralda e enquanto ainda estamos a tentar alcançar as toalhitas, pimba, eis que ele consegue libertar um pé e espetá-lo em cheio na merda e de repente já há merda por todo o lado, o polvo a contorcer-se cheio de energia e a espernear com quanta força tem, enquanto enfia uma mão na boca até à goela e com a outra tenta agarrar tudo num raio de dez metros, o nosso cabelo incluído. Quando finalmente conseguimos completar a tarefa com sucesso, a criatura agonia-se e vomita. E aqui vamos nós, de volta à estaca zero. 

Toda a gente sabe que os bebés choram. Muito. Mas que conseguem estar oito horas seguidas a chorar é mais uma que nunca ninguém me disse.

Descobre-se que é possível viver sem dormir e coisas como picos de crescimento e saltos de desenvolvimento e ansiedade de separação e blw e babywearing e, muito importante, como enfiar um supositório no rabo do polvo com epilepsia e mantê-lo lá. 

A lista podia continuar, mas acho que por esta altura já pus muita gente a equacionar adotar outro gato em vez de ter um filho. Este submundo é pior que a máfia. Assim que se entra ardeu, kaput, finito, game over, já fomos e não há volta a dar, a não ser esperar que os putos façam 30 anos e saiam de casa. 

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