Pertencer

«Se estivesses comigo, nada disto seria importante. A razão nasce da tua ausência; e a necessidade de beber café, para me manter acordado, obriga-me a pensar nestes instantes em que não sou porque não estou contigo, como se a existência fossemos nós, isto é, como se eu não passasse de um não ser que espera a tua existência para voltar a ser».

Nuno Júdice, excerto do poema «Filosofia Existencial»

Fui desencantar este excerto ao baú das coisas antigas, onde já se misturam lembranças bafientas revolvidas com bocados de mofo e uma ponta de nostalgia. Fui desencantá-lo e lembrei-me de ti, como não podia deixar de lembrar. Porque, tanto ou mais do que a mim, também este excerto te pertenceu. E eu sinto falta de poder partilhar este tipo de coisas contigo. 

O que significa afinal pertencer?

Naquela altura achávamos que pertencíamos ao mundo, mais do que a qualquer outra coisa e o mundo, em jeito de graça, também não se importava de ser nosso um bocadinho. Havia sempre tempo para tudo e quando não havia inventava-se mais. Nunca nos faltou o que dizer e, naquela altura, nem sabíamos o que dizíamos. Saber que estavas lá, mais do que ver-te, era suficiente. 

O que é suficiente para ti agora?

Não posso dizer-te que fiques, mas também não quero que vás. Não posso impedir-te de ir, mas não te posso pedir para não arriscares. Posso ficar de braços cruzados a ver-te deixar-me. Deixar-me aqui. Partiste e deixaste-me aqui. Como o pudeste fazer? Como pudeste apenas ir? Sabendo que eu ficava. Não posso acusar-te de seres injusta. Não posso acusar-te de nada. 

O nada é uma ilusão. 

Fiquei em paz comigo e contigo. Foi algo progressivo, veio com o tempo, um passo atrás do outro e de repente já não restava mais nada desse ressentimento contido. Que sempre foi contido porque não podia ser de outra forma. Ninguém corta as asas ao pássaro que quer aprender a voar.

Cada dia é uma nova conquista.