As tuas palavras




Às vezes é tão difícil falar. Dizer as coisas certas a seu tempo. Não ficar com as palavras engasgadas na garganta para depois, mais tarde, as cuspir, já sem qualquer significado. Ou engoli-las para sempre. Devoro as palavras dele e sinto uma grande sensação de vazio, como se fossem ocas ou então talvez seja eu demasiado exigente. Sou assaltada por esta inquietação, esta fome de palavras, mexo-me e volto a remexer-me, mas a tempestade não acalma.

Não posso demorar-me. Talvez não devesse sequer ter vindo. Acendo um cigarro enquanto medito nas coisas horríveis e impensadas que dissemos uma à outra. Dizer por dizer, sem na verdade as sentir. Palavras que a raiva obriga a expelir, projectadas com agressividade, cruéis como um carrasco. Que loucura, digo para mim mesma. E sou invadida por uma grande vontade de chorar. 

A inércia, o não querer fazer absolutamente nada. Uma sensação pegajosa, de acomodação, que destrói aos poucos. Quando nos sentamos frente a frente, tão perto que os nossos joelhos quase se tocam, um copo de cerveja na mão e a conversa a escorrer morna, por vezes embrutecida pelo cansaço ou pelo álcool a correr célere nas veias. Quando o simples movimento de levar o copo aos lábios nos esgota. E permanecemos calados, a cismar nos nossos próprios demónios, desejando que a noite se prolongasse até ao mais profundo de nós mesmos, ou que nunca tivesse sequer começado. 

Não me contes como foi o teu dia, porque não quero saber. Não me contes nada. As tuas palavras já não conseguem saciar-me. 

                                                                  in O Demónio nunca dorme

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