Sonho




A boca gelada do gelado. O corpo frio e o calor lá fora. Talvez devesse sair daqui, talvez devesse não me sentir assim quando o céu está tão azul. A minha tão conhecida necessidade de absoluto. De urgência. Não sei – nunca soube – aplacá-la. Não sei domar os meus instintos. Coisas. Coisas insignificantes e afectam-me. Posso ser indiferente. Posso parar com os jogos de poder. É a vontade de estar em todo o lado e não estar em parte alguma. O poder é aquilo que cada um faz com ele, o modo como o utiliza. Uso-o para criar, uso-o para destruir. Uso-o para não me importar e lanço-o no vazio. Não falo contigo porque posso não o fazer. Não te penso. Não te penso. Levanto-me e vou para o sol. O sol a esconder-se por trás de uma nuvem para logo reaparecer, numa brincadeira cúmplice. A nossa cumplicidade?

Tantas perguntas e tudo por causa do meu sonho. Duas noites seguidas a sonhar com bebés. Uma era minha irmã com meses e outro estava na barriga de uma das muitas amiguinhas dele. E, sem mais aquelas, no sonho contava-me que ia ser pai, que não sei quem estava grávida. Depois, acordei. Depois, as perguntas. Era mau se fosse verdade? Um bocadinho. Porquê? Pausa. Pausa. Pensamento a uma velocidade vertiginosa. Porque és demasiado imaturo para ser pai. Disparo. Ficou ofendido, não alcançou talvez as minhas palavras. Explicação. Como sabes que te disse o verdadeiro motivo? Como sabes que acreditei? E fiquei eu agora sem resposta. E ele dispara. Tu queres é que eu tenha filhos contigo. 

Tu queres é que eu tenha filhos contigo. 

                                                                in O Demónio nunca dorme

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