Fotografia



- Não posso estar ao pé de ti. Tu... tu fascinas-me.
- Estás a ser incoerente.
- «Pobre do homem que não é incoerente, é porque não é inteligente», já dizia o outro - rematou e depois ficou muito corada, olhos no chão.

Talvez seja a maneira como ele fala e as coisas que diz. Talvez seja a postura descontraída e confiante, segura de si. Talvez seja o facto de ser um artista e, como toda a gente sabe, os artistas têm assim uma espécie de luz interior. Talvez seja tudo isso e ainda um bocado daquilo. Ela está presa por um fio invisível e sabe que tem de sair dali.

- Explica-te, usa as palavras. Não é isso que os jornalistas fazem?
- Eu dizia-te que tenho vergonha, mas também sei que um jornalista não pode ter vergonha.
- Estou a ver que prestaste atenção à aula...
- To every single fucking word - acentua bem cada palavra, devagar, a saboreá-las e volta a corar. Anda a corar muito ultimamente.

Ainda tem muitos quilómetros pela frente, muita estrada para percorrer. Não há pressa. Gostava de  poder dizer-lhe que fosse mais devagar, queria tirar fotografias mentais antes de o tempo se esgotar e  ter de regressar à vida de todos os dias. Ainda há muito asfalto pela frente, mas há mais a ficar para trás, cada vez mais longe. Ela olha pela janela e não diz nada, limita-se a ver a chuva. E se simplesmente não chegassem nunca?

- Chegámos.
- Pois chegámos - nota de desilusão na voz - Então até amanhã.

Disse-lhe até amanhã como podia ter dito outra coisa qualquer. Sabia que não havia um amanhã, não assim, não como ela teria desejado. Disse até amanhã, mas soube que era um até nunca. E, uma vez mais, teve pena de não ter guardado uma fotografia.

Comentários

  1. Dona Vi,

    Gostei muito do seu texto sobre fotografia...
    Bastante descritivo e (pouco) perceptível.

    Beijinhos, a sua compinxa,

    Vanessa

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