Invisível



Quando o avistou, ainda longe, muito ao longe, um ponto azul lá ao fundo, ficou quase contente. Um contentamento difícil de descrever, à mistura com nós no estômago e um tremor  esquisito que teimava em aparecer. Já da outra vez tinha sido assim, o elemento surpresa atinge-a  sempre de tal forma que até fica atordoada. Mas hoje ficou quase contente. É desta, pensou, é desta. E pôs-se a de cabeça no ar, a espreitar, a espreitar, os olhos em alvo, a mão a ajeitar o cabelo, quase da mesma maneira que ele costuma fazer.

É desta.

Passou por ele a andar devagar, passos lentos, calculados, muito ao de leve como se o chão se fosse rachar ao meio para a engolir a qualquer momento. Passou por ele e na hora da verdade acobardou-se. Baixou a cabeça, colou os olhos ao chão, apressou o passo. Ficou a recriminar-se por dentro, mas que importava isso agora? Ele já lá ia ao fundo, longe, muito longe, novamente apenas um ponto azul. Mas ainda podia ser hoje. Tinha de ser, o tempo esgotava-se a uma velocidade assustadora.

É hoje.

Voltou a ajeitar o cabelo, pôs-se muito direita, compenetrada a ler um qualquer papel que tinha na mão. Ler não lia nada, todas as suas atenções se concentravam naquela presença que se aproximava cada vez mais, aquela presença que se foi postar quase a seu lado sem, no entanto, a ver. Ou será que tinha visto? Arriscou uma espreitadela tímida, podia ter a sorte de os olhares de ambos se cruzarem. Nada. Segunda espreitadela, já desanimada. Estava mesmo a seu lado, já não era apenas um ponto azul lá ao fundo, estava perto, tão perto e não a via. Deixou de o olhar, deixou que se voltasse a afastar.

Podia ter sido agora.

Foi a última vez que o viu. Foi a última vez que que se pôs a espreitar, a cabeça no ar, olhos em alvo, o tique do cabelo. E foi pela última vez que se arrependeu não ter sabido fazer-se ver.   

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