Personalidade


Não estava à espera que me fizesse a pergunta e engasgou-se-me o cérebro. Ele não tem por hábito fazer-me perguntas. Não há muito que eu diga que lhe suscite interesse. Tremiam-me as mãos e as ideias quando comecei a falar.

Acredito na medicina, acredito no progresso e nos avanços da ciência. Mas acredito também em Deus, porque a minha avó me ensinou a acreditar. E porque se não é no céu que ela está, então não sei onde mais possa estar. Acredito no factor tempo. Dizem que o tempo cura todas as feridas e, apesar de não gostar especialmente de clichés, se eles existem é porque, na sua maioria, fazem sentido. Acredito que só nos acontece aquilo que conseguimos suportar. Acredito em segundas oportunidades. Acredito na força das palavras, se bem que algumas, de tanto serem repetidas, já não devem querer dizer nada. Gostava de acreditar naquilo que de bom há no Homem.

Fuma com abandono e não sei dizer se ouviu ou se viaja longe destas paragens. À falta de mais palavras, deixei o olhar cair ao chão.

Acredito que gostas mais das minhas mamas do que da minha personalidade. 

Sei que não o devia ter dito, cheguei mesmo a morder a voz, mas quando me dei conta já tinha disparado. Isto parece despertá-lo do transe, faz-me aquela cara que significa que sou uma idiota e limita-se a atirar-me um não tem nada a ver. Vomita as palavras e não as concretiza não tem nada a ver com o quê, ainda arrisco a pergunta, mas sei que é inútil. Ele pertence àquele tipo de mentes privilegiadas que têm sempre razão.

Não sabes quem sou nem tens a menor vontade de descobrir. E eu não faço ideia que raio ainda faço aqui.

A minha vontade é um farrapo, a minha vontade é nula. Não posso esperar por ninguém para começar a viver. Não posso depender de nada para me reencontrar, se é que alguma vez soube de mim. Está terrivelmente ofendido comigo, não me posso desculpar por dizer o que penso. Já há muito tempo que deixei de pedir desculpa por aquilo que sou.

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