Prece


Entro no carro sem saber para onde vou, limito-me a conduzir, mãos postas no volante e o sol na cara. Não posso estar sem rumo se ainda não decidi para onde ir e, por momentos, isto sabe-me mesmo bem, o ir sem destino, o ir apenas, com a sensação de estrada a tomar conta de mim e a certeza de que posso seguir, seguir sempre. Já nem de chorar tenho vontade. Se não regressasse, sentias a minha falta? Guio depressa, com o teu nome nos lábios.

Toda a minha vida tenho andado perdida. Toda a minha vida tenho andado a procurar-me nos sítios errados. Caminhos ermos, a estrada deserta. A solidão que se desprende da minha pele queima. Quero nada sentir. Quero anular a dor que não me dá tréguas. Saio do carro, ando até as pernas me pedirem descanso. Podia simplesmente sentar-me aqui neste pedaço de nada, até ao limite do tempo, até o esquecimento se apoderar de mim. Ninguém iria dar conta. Eu não iria dar conta.

Uma igrejinha perdida pinta de branco a desolação que a rodeia. Parece tão sozinha como eu e é ali que quero estar. Sou abraçada pelo silêncio. Bancos vazios e um altar despido. Na parede, um Cristo de braços abertos, pregado na cruz, a não nos deixar esquecer toda a crueldade de que o ser humano é capaz. Um Cristo mudo, que não fala comigo quando eu tanto preciso de respostas. Aproximo-me o mais que posso, até ficarmos frente a frente. É verdade que só nos dás aquilo que conseguimos suportar? 

Se calhar mereço isto e muito mais. Se calhar. Faço uma rápida reflexão, olho para o meu interior e está tudo preto. Um enorme vazio preto. Posso deixar de me armar em heroína, expor o flanco, posso escancarar as vísceras, posso, posso, posso, mas de que me adianta? Vai doer menos? Não deixa de ser dor por ser compartilhada. Não é por estar exposta ao mundo que me vou sentir melhor. Só quero ficar aqui, nesta igreja deserta, junto deste Cristo que, mesmo sem me responder, me percebe. Orientação, acho que deve ser isso.

Passam dias, semanas, meses. Passo horas enfiada no chuveiro, a desfazer-me em pedaços, a desejar ser escoada pelos canos. Se não regressasse, vinhas procurar-me?

Abraço-me ao Cristo, esperando secretamente que Ele não se importe, e ficamos assim, em silêncio. Sobram as palavras quando a vontade é de chorar. Não posso culpar a vida por aquilo que ando a fazer com ela. Mas posso deitar-me aqui e esquecer o mundo. Se tudo o que sei fazer são más escolhas, desta vez vou deixar a vida decidir por mim.    

Comentários