Não venhas mais


O quarto era acanhado e sem janelas, custava a respirar. Esquecidos numa mesa suja de cinza, os restos do almoço tinham ficado por comer. A fome era outra e pairava no ar que cheirava a sexo. Ela estava estendida na cama numa nudez muda, o suor dele ainda a queimar-lhe a pele. Todos os seus sentidos repousavam nas paragens do corpo daquele homem, que a comia com os olhos. Chamou-o sem precisar de palavras e afundou-se uma vez mais nas suas próprias mentiras. Fizeram amor com uma urgência feroz, quase dolorosa.

- Tenho de me ir embora.

Andava de um lado para o outro, impaciente, sufocado pelo quarto sem janelas e pela devoção que aquela mulher lhe dedicava. O olhar dela, quase felino, escorria um misto de adoração e desejo que o entontecia e irritava em simultâneo. Ela sabia exatamente o que fazer para o subjugar, em gestos lentos, precisos, sem se distrair dela mesma. Rodou o corpo e ajoelhou-se na cama, as mãos unidas como numa prece, a cara enterrada no colchão. Já conhecia esses velhos truques mas, por instantes, o homem quase cedeu. Parou de andar de um lado para o outro, ensaiou um movimento na direção daquele corpo ainda com o rasto do seu. Foi aí que ela quebrou o silêncio, quase num sussurro.

- Não venhas mais.

Foram três palavras apenas, a cara ainda enterrada no colchão, a mão dele ainda a caminho da sua pele molhada, três palavras apenas que o fizeram dar meia volta e sair do quarto sem janelas, três palavras apenas que a deixaram sozinha na sua nudez muda.

- Não venhas mais.

Há muito tempo atrás, tinha-lhe dito algo que ele prometeu nunca esquecer, independentemente do que acontecesse e do que ela pudesse dizer. Se calhar tinha esquecido no próprio instante em que lho dissera. Pegou numa peça de roupa ao acaso, começou a vestir-se devagar enquanto, já do outro lado da cidade, ele conduzia apressado pelas ruas. Em momento algum pensou em voltar para trás. Já vestida, ela esgueirou-se para fora do quarto como, se por milagre, ele pudesse estar ali ainda ao virar da esquina. Andou a deambular ao acaso, até anoitecer. Longe dali, num qualquer café, as palavras dela não mais voltaram a ecoar na mente dele. Deixou-a sozinha com o desespero que lhe provocava.

- Sou doida por ti.

Ficou tudo tal e qual como estava. Em cima da mesa suja, os restos do almoço. O cheiro a sexo no quarto sem janelas, a cama desfeita, o ambiente opressivo. Três palavras apenas e a eterna dúvida sobre o que poderiam ter sido. 

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