Declaração de amor


Tinha vinte e sete anos quando fiz a minha primeira declaração de amor. A minha única declaração de amor. E não, não vivemos felizes para sempre. Pelo contrário, foi absolutamente desastroso, do mais corrosivo de que tenho memória. Há coisas que lembramos uma vida inteira. E houve um tempo antes e um tempo depois dele. E depois dele... depois dele já não soube voltar a ser quem era.

Aquilo foi crescendo em mim, assim como quem não quer a coisa. Mais ou menos como uma aranha, na sua infinita paciência, a tecer uma intrincada teia onde, mais tarde ou mais cedo, está segura de que vai capturar a sua presa. E o veneno apanhou-me em cheio e completamente desprevenida. Dominava-me uma paixão cega e feroz. O que sentia por ele era quase irracional e consumia-me. Os meus olhos iluminavam-se quando os pousava nele. Não sabia como lidar com tanta voracidade, experienciava algo completamente novo. Sabia que tinha de o largar, tal e qual um dependente com a heroína. Só não sabia como livrar-me de tão grande adição.     

Pensei que se dissesse o que sentia, talvez pudesse deixar de o sentir. Como se, ao dizer, me estivesse também a libertar. Podia ser este o ponto final que não sabia como colocar. Pensei muita coisa, mas pensei tudo errado. Estive prestes a desistir mais do que uma vez, mas mantive-me firme. Disse-lhe tudo aquilo que há muito tempo sentia vontade de gritar ao mundo. Nunca antes me expusera desta maneira, nunca tinha estado tão assustadoramente vulnerável. No final, ele não abriu a boca nem para me mandar à merda. Decidi logo ali, naquele instante, que nunca mais, mas nunca mesmo, em tempo algum, voltaria a repetir semelhante estupidez na vida.

Sabia que ia ser difícil, pelas frouxas e vãs tentativas de abandono que tinha vindo a ensaiar. Ficar um dia sem lhe falar era para mim um autêntico calvário. Queimava-me a pele estar ao lado dele sem lhe tocar. Então desistia e voltava tudo ao mesmo. Patética, eu e as minhas ilusões. Afinal de contas, estava apaixonada. Nunca ninguém me levou a pólos emocionais tão extremos e opostos. Se tinha momentos em que me sentia grata e radiante por o ter conhecido, logo no minuto a seguir era um farrapo humano que maldizia a hora em que me tinha cruzado com semelhante idiota. Só que a única idiota ali era eu, sabia-o bem. Deixava de comer, deixava de dormir, deixava de pensar. Só não o deixava a ele.

Tinha perdido a alegria de viver. A tristeza arrastava-se comigo para todo o lado como uma segunda pele. Fingia estar doente por não conseguir inventar mais pretextos para recusar os convites dos amigos que, fartos da minha apatia, um por um, acabaram por desistir. Ter conseguido manter o emprego foi quase um milagre. Não falava com ninguém, não mais do que o estritamente necessário. Arrastava-me pela vida e nem a via a passar por mim. Vazia, era a palavra. Completamente vazia.

Fiz a minha primeira e única declaração de amor aos vinte e sete anos. Ainda hoje me custa recordá-lo. Há coisas que doem uma vida inteira.

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