- É aqui?
Estava feita a pergunta que se preparava para cavar todo um abismo entre eles. Duas palavras apenas a encerrar toda uma história. O adeus já tinha começado a desenhar-se, mas nem um nem outro estavam ainda preparados. Na verdade, não estariam nunca. Tinha sido um amor daqueles que só acontecem no verão, avassaladores, que não deixam espaço para mais nada. E agora o verão chegara ao fim, mas o mesmo não se podia dizer do amor.
- É aqui. Mas não assim. Não agora.
Depois, virou costas e pôs-se a chorar.
Tinha chegado com a brisa morna dos primeiros dias de junho, quase contrariado, a cara fechada no amuo de quem prevê meses eternos de tédio. Que poderia haver que lhe interessasse, ali onde o mato se estendia até onde o olhar conseguia alcançar e as galinhas deambulavam pelos campos com o seu irritante cacarejar? Aborrecimento, era o que lhe estava destinado. Fechou a porta do carro com mais força do que o necessário, desapertou dois botões da camisa e estava quase decidido a não ficar quando a viu.
Ficou em silêncio, a respeitar-lhe o tempo das lágrimas. Abraçou-a, abandonou o corpo no dela, a absorvê-la. E falaram, falaram muito, numa tentativa de enganar o tempo, a prolongar o momento, a preservar o tanto que os unia.
- Até ao lavar dos cestos é vindima.
E ele assentiu em silêncio, só acaba no final, não agora, não já, afinal ainda tinham umas horas pela frente, afinal ainda se podiam ludibriar, fingir que não se estavam apenas a enganar um ao outro, a ver se doía menos, à espera de um qualquer milagre que lhes pudesse valer.
Trazia o cabelo desgrenhado e um vestido preto, simples como todas as coisas deveriam ser. Parada à porta de um grande barracão de madeira, o sol a demorar-se nela, a beijar-lhe o rosto, a aquecer-lhe o corpo esguio. Pousou nele o olhar e, nesse momento, ele soube que estava perdido.
- O que é que estamos a fazer? Há pessoas que passam uma vida inteira à procura de um pedacinho daquilo que nós temos. Uma vida inteira. Como posso simplesmente seguir em frente sem te incluir? O que é que estamos a fazer a nós mesmos?
Ela reparou nele. Aceitou-o, escutou o muito que sempre tinha para dizer, ensinou-lhe que a vida podia ser diferente e imprevisível e, quem sabe, até feliz. Desafiavam a escuridão nas madrugadas que terminavam sempre cedo demais e esqueciam-se do tempo quando passeavam de mãos dadas. E quando a beijou pela primeira vez, sentiu que foi exatamente como havia imaginado. Mas era um romance de verão e toda a gente sabe que os romances de verão na vida real não duram.
- Não sei se faço uma loucura contigo ou se loucura é não o fazer.
- Tenho medo. De que me adianta gostar desta forma, se nunca vamos poder ficar juntos?
- Da mesma forma que continuas a respirar, sabendo que um dia vais morrer.
Porque o que te tira o fôlego é justamente aquilo que faz valer a pena respirar.
- Podias ficar.
- Sabes que não posso. Mas tu podias vir comigo.
- Guarda-me. Não me esqueças.
Olhava-a num misto de fascínio e adoração, como se fosse a criatura mais incrível que alguma vez pisara o planeta. Onde tinha estado todo aquele tempo? Como era duro ter de partir quando todas as fibras do seu corpo lhe imploravam para ficar.
Sentados um defronte do outro, ela debicava o almoço e devorava-o com olhos carnívoros, enquanto ele falava sem parar, a acordar velhas memórias de infância, as férias em família sempre decididas na véspera, a incapacidade de conversar com o pai, os constantes elogios da mãe a tentar preencher lacunas que haveriam de o atormentar durante muito tempo. Olhou-o demoradamente, a preservar o momento, a registar a sua expressão quando se empolgava com algum assunto, a maneira como deslizava os dedos pelo cabelo sem sequer se aperceber, o andar muito direito e decidido, como se soubesse sempre exatamente para onde ia.
Afundaram-se na boca um do outro, como dois náufragos. Estavam tão longe de ficar perto e tão perto de ficar longe.
É aqui? É aqui.
Belo!!!
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