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Naqueles estranhos e raros momentos em que o mundo quase parece fazer sentido. É em momentos desses que se torna possível sorrir de forma ligeira e desinteressada, sorrir como uma criança que recebe um brinquedo novo. Em que as palavras não chegam ao cérebro e não magoam, tudo é macio e não temos vontade de nos tornar homicidas. Os gritos não ferem, os insultos não alcançam, o tempo desliza compassado, na medida certa de quem não tem pressa para chegar. Estranhos e raros momentos.

Fui à procura das palavras certas, queria exprimir com exactidão o que redemoinhava em mim, queria as palavras certas e não outras semelhantes. Queria dizer que não sou depressiva, nunca o fui, mas que não sei como lidar com o sentimento que advém de nos desiludirmos a nós mesmos. As palavras certas andavam por aí, à deriva, e eu não fui capaz de as encontrar porque estava mais preocupada em tentar classificar a vontade de ser um eu completamente diferente e renovado, um eu muito mais interessante, um eu que não falha e não se desilude.

Pensava que com o tempo certas coisas se tornavam mais fáceis. E pensava que não havia melhor aliado para se alcançar o esquecimento. Não me lembrei que o tempo é também grande companheiro da saudade.  
                                                                  
                                                                  in O Demónio nunca dorme

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