Fugir




Foi o facto de ela ser lésbica, mas também o facto de ser gira. E diferente. Na maneira de vestir, de estar, de se exprimir. O modo como falava e como ria, até às lágrimas. A piada que disse relacionada comigo embebida em vodka e como isso seria interessante. A maneira como falou sobre música, sobre surf, sobre café. Como se foi embora sem me dizer adeus. Foi o facto de eu já ter bebido algumas cervejas e os olhos quererem-se fechar. 

- Se calhar quando eras miúda estavas mais predisposta a rir-te das piadas do que agora. Era mais fácil arrancar-te uma gargalhada – não digo nada, limito-me a acenar com a cabeça. 

Saio para ir comprar uma revista. Fui entreter-me a folheá-la, a ler o suplemento sobre medicina. Recolhi-me ao meu próprio espaço, confinei-me ao meu deliberado isolamento e senti falta de vozes, mas não quis ligar a televisão nem usar o telefone. Sentei-me na beira de um degrau e fiquei a olhar a rua, de mãos entrelaçadas e corpo frio. Ela chegou e perguntou-me se não queria fugir para qualquer lado. Para onde? Qualquer lado, não era importante o sítio. A importância residia toda no fugir. 

- Se foges comigo agora arriscas-te a já não voltar. 

A não voltar para onde, pergunto, mas já não há respostas para mim e eu continuo sentada. Não posso fugir, não agora que já estou tão perto de lá chegar.

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