Não gosto que me acusem de criar clichés. Ou de ser eu própria um. Já tinha frisado isso mais que uma vez. Por isso quando ele insinuou que eu estava a despejar umas quantas frases feitas, teorias já mastigadas e regurgitadas, quando me disse que não estava a dizer nada de valor, simplesmente lhe atirei com um «E que estás tu para aí a dizer que traga algo de novo a alguma coisa?». Estava em causa a arte, no seu sentido mais abrangente, a arte como expressão do ser, a arte pela arte, a arte que às vezes parece ter desaparecido.
- É dos momentos de grande tristeza e solidão que saem muitas vezes as melhores obras. Arte não tem de significar alegria.
- A arte tem de dar prazer a quem dela usufrui. Como se pode ter prazer na morbidez?
- Ninguém falou em morbidez, se bem que ela está presente amiúde no nosso dia-a-dia. Não podemos esconder a tristeza e passar só a alegria, apesar de o poeta ser um fingidor, já o dizia Pessoa.
- Lá estás tu com a mania que tens mais razão só porque sabes citar este e aquele.
- Não passas de um pateta alegre. Não vale a pena este tipo de discussão com quem não as sabe sustentar.
Virei costas, há muito tempo que não virava costas a ninguém, sentei-me no chão a observar os meus pés feridos. Pés de quem já caminhou muito mas continua sem ter para onde ir. Pés cansados, esfolados, à beira da estrada. Pensava que não seria capaz de dar nem mais um passo, mas eles não me abandonaram. Devagarinho, quase como quem está a aprender a andar. Quando tive a certeza que conseguia, quando soube que ia chegar fosse de que maneira fosse, só me apetecia chorar.
"Quando tive a certeza que conseguia, quando soube que ia chegar fosse de que maneira fosse..." ...that's just it sis...
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