Obsessão


Olha-me só para aquilo, a desfaçatez dela, ali sentada como se nada, a pose de animal ferido, a impaciência em cada gesto, nas mãos, no olhar. Eu devia ir ter com ela, devia chegar ao pé dela e dizer qualquer coisa, dizer não, eu devia mesmo era fazer, tomar uma atitude, bater-lhe até. Não posso ter imaginado isto tudo, não são criações da minha mente, é real, está a acontecer, está mesmo a passar-me à frente dos olhos e eu aqui feito parvo a assistir, incrível o estado em que uma mulher nos consegue deixar.

Põe-se ali a olhar para mim, parece que é parvo, gostava de saber que estará ele a pensar, só sabe ajeitar o cabelo porque Deus nos livre que apareça despenteado, cai o Carmo e a Trindade e sei lá eu mais o quê. Já chegava aqui e me dava uma chapada que me atirasse ao chão, havia de ser lindo, esbofeteava-me com toda a força e depois levantava-me do chão pelos cabelos e atirava-me contra a parede.  

Se vou ter com ela agora tenho a certeza que não me vou controlar, é melhor ir antes lá fora, beber um café, fumar um cigarro, dois, três cigarros, até me acalmar, até ter a certeza que consigo olhar para ela sem ter vontade de a atirar ao chão. Ela parece que olha para mim num ar de provocação, é tão explícito que quase me faz parecer parvo, parvo por não entender, parvo por não ser capaz de chegar lá e espremê-la entre os dedos, parvo por estar aqui fora ao frio. 

É obsessivo, como se estivesse a visualizar tudo, as imagens repetem-se na minha cabeça uma, duas, muitas vezes e é sempre ele que surge, com os seus olhos muito abertos, aquele grande nariz, a voz de desenho animado, a boca, sim aquela boca que já vinha de encontro à minha, quase como se de um acidente se tratasse. Quando ele voltar lá de fora acho que vou aparecer-lhe assim de surpresa, género a surgir de debaixo da secretária, algo que ele não esteja à espera, talvez assim se irrite a sério, talvez goste, quem sabe o que pode acontecer.

Não tenho tempo para isto, não tenho mesmo, fantasias destas e eu a embarcar nelas, se calhar ando a trabalhar demais, se calhar já aqui nem devia estar, acho que até já passa da minha hora de saída, vou mas é pegar nas coisas e vou-me embora, tenho uma mulher e uma criança em casa à minha espera e tudo o mais pode esperar até amanhã. Se calhar devia só passar na minha secretária para... Não. Pode esperar até amanhã.


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