Sozinhos



Nunca fui precisa com datas e deve ser por isso que gosto de ser tão minuciosa no que toca às minhas agendas. Quando a memória falha - e tem-me falhado bastante - recorro às páginas com a minha vida lá rabiscada e raras são as vezes em que me deixam mal. Esta é uma dessas raras vezes. Estava entre agendas, foi logo a seguir à passagem de ano, atrasei-me mais do que queria a arranjar uma nova. E ficou assim criada uma lacuna.

Na altura não pensei que viesse a ter importância. Lamentava-me, sim, que me fazia falta a agenda, mas depois parece que perdeu o encanto. Talvez por não ter nada para lá pôr que merecesse destaque. Agora e apenas por mero capricho, queria preencher o vazio, ordenar ideias e factos, mais para me distrair, mais para me devolver a mim mesma. 

Podemos estar sozinhos? Na minha cabeça forma-se um não, mas é um sim que a minha boca dispara. Estamos sozinhos e a partir deste momento já nada é seguro nem simples. A criança dentro de mim tem medo, quase tanto como eu. Acabou de ser criada mais uma lacuna na minha agenda.

«Passamos a vida a pensar, ilusoriamente, que estamos acompanhados, mas na verdade estamos sozinhos. Nascemos e morremos sozinhos.»

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