Descartável

 
Sentada na cama, os braços presos nas mãos e as ideias a correrem à desfilada, queria levantar-me, pegar num papel e numa caneta, antes que tudo se esvaísse e eu voltasse a ficar vazia, mas não conseguia levantar-me, estava ali e não podia mover um músculo, a minha cabeça a dizer levanta-te, levanta-te e eu nada, simplesmente não me conseguia mexer.  

Ele de um lado para o outro, a arrumar tudo, a pegar nas coisas e a devolvê-las aos respectivos sítios, tanta organização, faz-me sentir estúpida, de repente deu-lhe para ser pró-activo e eu para aqui parada a olhar.

Lá fora o deserto, uma imensidão de areia vermelha, o sol vermelho, tudo é vermelho, é como se o mundo estivesse prestes a incendiar-se, não corre uma aragem. Recorro à raiva porque é mais fácil do que ter de lidar com a tristeza. A raiva ouve atentamente as nossas ideias mais demoníacas e, em silêncio, aprova-as.

Entreguei o meu corpo, porque nada mais tinha para dar, alma vazia, coração inexistente, o corpo é apenas um invólucro daquilo que eu podia ser, do que fui em tempos.

Era mais ou menos isto que gostava de lhe dizer, mas já nada vale a pena, tudo é inútil e irremediável, prefiro a planície vermelha, o esquecimento, o abandono. Ervas rasteiras, aqui e ali, pintas verdes a desafiarem o deserto, raquíticas e crestadas pelo calor, sem esperança.

Engraçado como nos podemos identificar com as coisas mais bizarras. Agora, sim, tenho vontade de chorar.

Comentários