O casamento


I'm in love with you. Não sei porque me custa tanto dizê-lo.
Não falo sobre sentimentos. Já o tinha dito. Porque simplesmente não consigo. Se conseguisse, as palavras seriam estas. I'm in love with you. Andam a pairar na minha imaginação ensopada em rum e são sopradas em surdina quando não há ninguém por perto. Até não mais aguentar.

E o tão temido dia chegou. Ele sempre lhe disse que ia ser a madrinha, mas quando o pedido não chegou sentiu-se aliviada. Se nem certezas tinha de poder ser apenas uma simples convidada no meio da multidão. Tinha a roupa preparada, o cabeleireiro marcado, os muitos pares de sapatos alinhados à espera que ela se decidisse.

Conseguiria ir? A cerimónia do princípio ao fim, as fotografias, o jantar, a felicidade estampada em todos os rostos. Conseguiria aguentar? E uma vez mais as palavras saíram,  mais uma vez sopradas em surdina.

A melhor coisa nos casamentos é, sem dúvida, a quantidade de álcool à borla que uma pessoa pode beber. É claro que aquilo que uma pessoa pode beber é inversamente proporcional ao que uma pessoa deve beber. Há coisas que só acontecem nos filmes e não é suposto transportá-las para a vida real. 

Ensaiou uns quantos passos cambaleantes. O padre não tinha perguntado se havia alguém que se opusesse ao matrimónio (nunca perguntam, deve ser medo que alguém responda), mas ela tinha algo a dizer. Não queria uma cena melodramática, tão pouco queria estatelar-se no chão, mesmo em frente ao altar.

«Pick me. Choose me. Love me». Não sei porque me saiu em inglês, se calhar ando a ver séries a mais.  Não sei porque vim, já se estava mesmo a ver que ia dar merda. 

A consternação na cara das pessoas, o burburinho, os comentários em todas as bocas. A sua tentativa desesperada de manter a compostura, alisando pregas invisíveis no vestido, depois de se ter estatelado em frente a uma Igreja cheia, depois de ter dito palavras indizíveis.
 
«Pick me. Choose me. Love me. I'm in love with you!». 
 
Virou costas e saiu. Mas não foi como nos filmes. O noivo não largou tudo para correr atrás dela. Não trocaram juras de amor eterno. O casamento não foi cancelado. Em vez disso, tudo seguiu conforme os planos, monótono e cinzento,  e a vida assim continuou, sem graça.

Já sei porque não falo sobre sentimentos. Já sei porque me custa tanto dizer certas palavras. Sei que não as voltarei a repetir, mesmo quando não estiver ninguém por perto. Já devia saber que os finais felizes só acontecem nas histórias. Já devia saber muita coisa. I'm so in love with you.

Comentários

  1. ah miuda! o que eu fui descobrir! vou passar a ser leitora assidua ;) lembra-me os nossos tempos de divaganço nas aulas. Ainda lá tenho uma caixa cheia com as nossas conversas e textos :) kiss

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  2. Efectivamente a vida não é como nos filmes... resta-nos a cada um de nós decidir se deixamos a vida viver ou morrer. Desculpa a intromissão. A verdade é que de cada vez que sou surpreendida por descobrir mais um ser humano... sinto-me mais tranquila.

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    1. Obrigada e «intromete-te» sempre que te apetecer =)

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  3. aaaiii Viii! isto trouxe-me tanto à memória. e assim sem querer lembrei-me do filme fantástico - o casamento do meu melhor amigo. adoro as tuas descrições, lá está, cinematográficas.

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