Piece of my heart


Sempre fez parte da minha vida, mesmo que passe muito tempo sem a ver nem falar com ela. É estranho, mas é como se não pudesse ser de outra forma. O que nós temos são contas antigas. Talvez algumas tenham ficado por acertar e daí toda esta história agora. Já me tinha interrogado sobre o porquê das suas atitudes, mas não quis dar muita importância, de certeza não passam de um devaneio, ela conhece-me bem demais para ser outra coisa. É certo que me disse na outra noite que eu podia ser o homem da vida dela, mas já era o álcool a divagar. Ela não é de falar de sentimentos. 

Diz-me que tenho um coração muito grande. Que tem espaço para dar e vender e que nunca vou conseguir assentar. Eu digo-lhe que  estou diferente e que até já penso em filhos, mas ela não acredita. Uma vez, já há muitos anos, disse-lhe: tu queres é que eu tenha filhos contigo. Foi mesmo assim, tal e qual. Por ela me ter dito, na altura, que sou demasiado imaturo para ser pai. Não me lembro o que respondeu. Há muita coisa que não me lembro e sei que ela me censura por isso. Como a história do carro. O que se passou no meu carro e eu não me lembro. Ainda não voltei a pôr a bruxa no retrovisor. Foi ela que me ofereceu. De vez em quando pergunta porque é que não está no sítio onde pertence e lá tenho eu de dar uma desculpa. Não lhe minto. Omito coisas, simplesmente.

Quis saber que lugar ocupa na minha lista. Começou logo a cuspir para o ar os maiores números. Não sei se acreditou no que lhe disse, possivelmente não. Mas diz que eu a devia ter visto mais vezes nua. O que é que se pode responder a isto? Que estou ainda a tempo? Talvez a história não tenha acabado. Não sei que lhe possa dar agora que já não tenha dado. Logo agora que ando a tentar mudar. Não sei que posso dizer ou talvez o melhor seja mesmo não dizer nada. Não gosto de ignorar ninguém, mas às vezes é a melhor opção a tomar. Para não criar falsas expectativas nas pessoas, talvez.

Contei-lhe que me vou casar. Riu-se muito, não acreditou, brincou com o assunto, mas vi-a engolir em seco. Não podem ser ciúmes, a esta altura já não faz sentido. Mas engoliu em seco e disfarçou o melhor que pôde. As mulheres são boas a disfarçar. Estão sempre a fazer de conta que não se importam, mas não passa de camuflagem. Ela é perita. Nunca sei bem o que está a sentir nem o que pretende, ela também não faz questão que eu saiba. É irónica até mais não. Deve pensar que eu não sinto a tristeza que se esconde atrás de tanto sarcasmo.

Sempre fez parte da minha vida. Talvez esta seja a altura de deixar de fazer. Já a magoei mais do que desejava. Já a magoo há tempo a mais. 

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