Ás de espadas


Deixas-me baralhado, confuso, às vezes nem sei como reagir quando estou perto de ti. E consegues ser tão má, dizes coisas que magoam, és mesmo má, és fria. És. Uma bruxa, é o que me apetece chamar-te. 

Se há relações impossíveis, esta é uma delas. Qual amizade, qual quê. Se nem minha amiga sou, como é que posso ser tua. É preciso ser muito ingénuo para acreditar que te trago algo de bom.  

Assumia contornos de uma última vez, mas ao mesmo tempo, era como se fosse a primeira. Havia certos pormenores dos quais ele já nem se lembrava e procurava agora retê-los, a maneira como ela cruzava os braços e assumia uma pose defensiva, os cigarros que fumava uns atrás dos outros, a cova que lhe nascia na cara quando a fazia rir. Quanto a ela, sentia um terror imenso da solidão.

- Neste jogo, sou carta fora do baralho.
- Pelo contrário. És um ás. O ás de espadas. 

Olhava-a e tinha vontade de lhe tocar. Sabia que ela não lho permitiria. Ela falava muito, como se tivesse sido accionada por um qualquer gatilho invisível. Falava como quem teme que algo fique por dizer. Ele fazia planos, imaginava já novos encontros, novas palavras. O que não poderia saber é que era a última vez que a via na vida. 

Há qualquer coisa entre nós que é difícil pôr em palavras. A noite já ia longa, nenhum sentia pressa em partir. Fica mais um bocadinho. Era mais um cigarro que a via fumar, num compasso de espera para um fim que se adivinhava inevitável. Dá-me a mão. O medo, sempre o terrível medo de ficar só. E a tristeza morna a escorrer-lhe pelo corpo. Quero estar contigo.

Doía-lhe dizer adeus, doíam-lhe as lembranças, os remorsos, nem sabia bem como designar, aquele arrependimento que não é bem arrependimento, mas que mói. A minha vontade é abraçar-te. Não o fez. Não o faria nunca.

 És o meu coração negro.

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