Bitch


Ainda agora cheguei e já estamos a discutir. Arranjamos sempre qualquer ninharia, não importa o quê, desde que promova a discórdia. Discussões de quem não tem mais nada para fazer. Discutir para logo a seguir falar de uma ou outra banalidade, como se nada, para matar o silêncio,

Então e o que vais fazer logo?

por medo que ele se prolongue demasiado. Depois da troca de acusações e de palavras cortantes. De baforadas de fumo carregadas de ressentimento

Não és ninguém para me dizer como devo agir. Desrespeitaste-me e nem te importas. És uma traidora. 

e tentativas de paz,

Dá-me a tua mão.

voltou o silêncio e com ele o medo. E, se de facto, se esgotarem as palavras? Não tenho tido muita vontade de falar nos últimos dias. Dias, semanas, meses. E estar calada tanto tempo dá-me medo. Penso em dizer-te algo, vejo mesmo as letras a formarem-se nos lábios, as palavras a jorrarem,

Já sei porque gostas de mim. Sou exactamente o oposto daquilo a que estás acostumado.

mas mordo a língua e engulo cada sílaba, amordaço a vontade de te alcançar. Sei que já me desculpaste e tu também o sabes, mas estamos ambos a entrar no jogo,

Só te perdoo quando me levares para o quarto. 

sempre gostámos de um bom jogo. Faço uma pergunta, mas não me ouves, detesto dizer as coisas mais que uma vez, odeio que se distraiam das minhas palavras, sobretudo quando me foi tão difícil vomitá-las.

Podes repetir?

Posso, mas não vou fazê-lo, não quero, ninguém é dono desta minha vontade, ninguém, nem eu mesma, não controlo o turbilhão que me leva a ser perfeitamente detestável. Já nem há espaço para mais nenhuma discussão,

Vou-me embora. Passa bem.

viras-me as costas e diluis-te na noite, sem um gesto, sem te voltares para trás, logo agora que a vontade tinha chegado, logo agora que eu tinha tanto para dizer, logo agora que as palavras se estão a afogar em desespero, logo agora tinhas que ir embora e deixar-me aqui sozinha. 

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