Depois de nós


- Como estás?
- Estou bem.

Estou bem, acho que nunca disse tantas vezes que estou bem, não sei a quem tento convencer, se aos meus interlocutores se a mim mesma. Estou sempre bem e agora dêem-me licença que vou para casa comer tudo o que tiver no frigorífico, manteiga incluída. Coisas normais, que pessoas normais costumam fazer. 

Bem é aquela resposta que serve para tudo, que dispensa mais explicações. Se uma pessoa está bem, que mais pode querer? Um café e um cigarrinho, já que pergunta, é mesmo isso que eu quero. Os dias correm, uns iguais aos outros, tantas horas a passarem por mim, a acenarem-me e eu apática. Apática, mas bem. 

Todas as noites, antes de adormecer, tomo por companhia a mais recente criação do José Luís Peixoto, acho que já aqui falei dele, simplesmente gosto tanto. Um dia também quero escrever assim, como quem respira. Entretanto, vou inventando o que fazer comigo mesma. 

E depois lembro-me da casa e de como certas coisas devem ter ficado exactamente como as minhas mãos as deixaram. Lembro-me e dói mais um bocadinho. Como estás? Bem. 

Orgulho de ser assim. Orgulho. Possuidora de uma força que nem eu julgava ter, uma força que me vem não sei de onde e que mantém de pé. Esta personalidade do diabo. Ah, se gosto. Não a trocava por dinheiro nenhum no mundo. 

- És a mais rija de todos. 
- Sou mesmo. 

Os tais momentos em que o desejo é mais forte que o amor. Em que o desejo de um minuto destrói o amor de uma vida. 

Fecho os olhos e, em silêncio, acode-me aos lábios uma prece universal, tantas vezes repetida, refúgio de todos os aflitos nas horas de maior dor. Rezo e sei que, algures, sou ouvida. 

Estou em paz. Estou bem.

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