Dias assim


Saio de casa mesmo sem ter vontade. Saio por sair. E vamos beber café e fumar cigarros e deitar conversa fora. Vocês que têm sido o amparo dos meus dias vazios. Folheio o jornal e faço, como sempre, as palavras cruzadas. Perco uns minutos a observar as pessoas - que pensamentos nas suas cabeças, que alegrias, que sofrimentos? Esta noite sinto-me sozinha. Ainda que rodeada de pessoas, a solidão que se desprende de mim queima.

Enterro a cabeça na almofada. A vida a fugir, a fugir. A ausência de um propósito. O desconhecimento de mim mesma. O desejo de recuar dias, meses, anos. Os medos. Está tudo a vir à tona. Está tudo a transbordar. O espelho devolve-me um olhar macilento, estou tão feia, meu Deus, não admira que. Não me admira nada já.

Fazem questão de me recordarem de ti. Da tua ausência. Tu, depois de tanto silêncio, resolveste lembrar-me da tua presença. Não quero recordar de todo. Não quero que doa mais. Por favor, eu só não quero que doa mais.

Saio de casa com vontade. Saio para sair. E vamos dançar e vamos beber e a noite é nossa. Há momentos assim - felizes. Fumamos com abandono enquanto saudamos a manhã que desponta. Mais um dia. Devíamos celebrar todo e cada um deles, devíamos agradecer por nos ser permitido vivê-lo.

A cabeça às voltas e a almofada salgada. Estamos sozinhos. As decisões importantes temos de as tomar sozinhos. Nascemos e morremos sozinhos. Tenho medo.

Não vivemos só uma vez. Vivemos todos os dias. Amanhã o dia volta a nascer. Amanhã também será dia.

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