Rotina


Saiu do emprego mais cedo do que era costume. Já não era de dia, mas ainda não era bem de noite, aquela espécie de hora mágica em que tudo é imprevisível e tudo pode acontecer. Pelo menos era isso que ela gostava de pensar. Começou a andar pelas ruas e descobriu que não lhe apetecia ir para casa. Tinha muita coisa para fazer, mas nada que não pudesse esperar. Não gostava muito de mudanças, mas não aguentava mais um dia igual ao anterior e que seria exactamente igual ao seguinte. Queria sentir-se parte da cidade, queria ser a cidade que nunca dorme.

Entrou no primeiro bar que encontrou e sentou-se numa mesa ao fundo. Nunca tinha ido sozinha a um bar. Nem sequer tinha a certeza se gostava de bares. O movimento ainda era quase nulo, as pessoas deviam estar todas a preparar o jantar ou a ajudar os filhos nos trabalhos de casa. Pediu uma cerveja e acendeu um cigarro enquanto esperava. Andava um bocado bicho do mato nas últimas semanas, o típico lobo solitário que quer estar no seu canto. Tinha alturas em que achava que não gostava de pessoas. A vida andava a pregar-lhe rasteiras e, em momentos assim, mais valia estar sozinha. Não queria contagiar ninguém com pensamentos derrotistas. 

A cerveja fresca soube-lhe bem. À lembrança vieram aqueles fins de tarde que tinha passado com ele, entre um copo e uma palavra, entre um cigarro e um beijo. Sacudiu a cabeça para afastar tais pensamentos. Se havia alguém que merecia o óscar de melhor actor era ele. E de pior sexo, também. Veio-lhe à memória a sua imagem a saltar apressadamente de cima dela para ejacular no chão e foi o suficiente para destruir toda e qualquer recordação mais agradável. Que visão tão ridícula, como é que se tinha lembrado de semelhante coisa.

Entrou um casal jovem com uma criança, devia ter uns seis ou sete anos, não mais. Sentaram-se numa mesa quase ao lado da sua e pediram tostas mistas para os três. O miúdo tinha cabelo alourado e palrava incessantemente. Dizia que, quando crescesse, queria ser polícia e prender todas as pessoas más. Que ia ter um carro com sirene, uma pistola e umas algemas. O que é que queres ser quando fores grande é a pergunta que traz consigo todo um universo de promessas e ilusões, de esperança e a certeza de que tudo é possível. Ah, a infância, suspirou. Tão distantes os tempos em que queria ser bailarina.

Olhou para o relógio. Se calhar devia ir para casa. Preparar a refeição, organizar as coisas para o dia seguinte, meticulosamente, incluindo a roupa que ia usar. Se calhar já chegava de quebrar a rotina, assim, sem mais nem menos. Já nem a cerveja lhe estava a cair bem. De repente sentiu-se mais deslocada que nunca e teve medo. Tinha tanto medo de viver como de morrer. Saiu apressadamente, ansiando pelo conforto já tão familiar do seu sofá. Amanhã o dia repetir-se-ia. Uma vez mais. 

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