Magnetismo


Ele vê-me. No meio da minha escuridão e apesar de todos os demónios. Ele vê-me. E eu sou impotente perante aquele escrutínio, tão invasivo quanto o seu corpo no meu. A ideia faz-me estremecer e acabo por me ajoelhar na cama, acho que consegui captar-lhe a atenção.

Bem que gostava de terminar este relatório, mas os olhos ardem-me de cansaço. Que dia impressionante. Preciso de dormir ou de morrer. Ou de sexo. Estico um braço para lhe tocar. Está deitada a meu lado, mas está quieta demais, aquele cérebro deve andar a mil. Estou prestes a arriscar um ensaio de sedução, na esperança de melhorar este humor deplorável, mas de repente ela ajoelha-se e dispara: tu vês-me.  

Lança-me uma mirada felina. Há urgência nas minhas palavras, ele sente que me estou a perder e sabe como devolver-me a mim mesma. Peço-lhe que me toque e ele cola-se a mim, envolve-me toda, enterra a cara no meu pescoço. 

Não era bem isto que tinha em mente, mas esta súbita crise ainda pode reverter a meu favor. Toca-me, pede-me, e não encontro uma palavra que pudesse ser agora mais sensual. Ela consegue fazer com que até eu me sinta sensual. Às vezes ainda fico parvo com a sorte que tenho. Outras, sou apenas um filho da mãe.

Se tivesse passado por mim na rua, não olhava para ele duas vezes. Da mesma forma que não olhei, no dia em que entrou na livraria onde trabalho. Quase a medo, com o olhar de um gato assustado e a pose de um animal ferido. Murmurou um tímido cumprimento e desatou a vasculhar na secção mais aborrecida da loja, enquanto eu voltei a mergulhar no livro que tinha em mãos. Se gosta de boas histórias, vai adorar este. Levanto a cabeça e é ele que está ali plantado à minha frente, com o seu olhar de gato, com a sua timidez.

Nunca fui de me meter com ninguém. Mas soube ali mesmo que a queria. E soube que tinha de conseguir que me quisesse também. Melhor, fazê-la pensar que era iniciativa dela, sempre fui bom a plantar ideias no cérebro das pessoas.

Ia-me apercebendo aos poucos que, afinal, não era o chato de primeira que aparentava ser. A conversa experiente, os jantares junto ao mar, a noite que se afigurava curta enquanto despejávamos palavras e copos de whisky, os quartos de hotel. Impossível, absolutamente impossível, voltar a interessar-me por comuns mortais.

Está tão vulnerável e tão nua. A síndrome de abandono, entre tantas outras coisas. A sedução dissimulada. A alternância entre estar-se nas tintas e a provocação não és homem nem és nada enquanto não me tiveres. O meu relatório que ficou por acabar. Amanhã espera-me mais um dia de cão. E ainda tenho a festa das crianças no colégio. Ela já se virou para o outro lado, completamente desinteressada da minha pessoa. Não me distraias de mim mesma, parece dizer-me. Ponho o despertador para as sete e deito-me de barriga para cima, a fixar o tecto. É, às vezes sou mesmo um filho da mãe.

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