Gostava tanto de dizer


O tempo passa e a desordem fica. Quantas vezes disse que gosto? Não as suficientes. Nunca são suficientes. O tempo passa e as pessoas também. Se não o disser agora, talvez não o diga nunca. E se, de repente, o tempo se esgota? Se apodreço sozinha com a boca repleta de palavras.  
 
As pessoas desaparecem. Eu já devia saber que as pessoas desaparecem e vão para um sítio de onde não há retorno. Eu já devia saber muita coisa, por esta altura. Quantas vezes consegui falar de amor? A vida não tem tempo para esperar que eu esteja preparada. Se não começar agora, talvez não o faça nunca.
 
Para a minha avó. Sinto a tua falta todos os dias, avó. Está a chegar mais um Natal e eu bem que ando a tentar fazer as pazes com ele, mas sabes que sem ti não é a mesma coisa. Nunca mais vai ser a mesma coisa. Eu também não voltei a ser mesma.
 
Nunca te digo, mãe, e espero do fundo do coração que o adivinhes, mesmo sem palavras. Que adivinhes que nunca poderá existir ninguém mais importante nesta vida nem em qualquer outra. Que a ideia de te perder é como perder os braços, as pernas, o tronco, é como deixar de conseguir respirar. Que sou ingrata e estúpida e incapaz de me expressar. Diz-me que o adivinhas, como pareces adivinhar tudo o resto.
 
Para o meu pai. Deixaste-me cedo demais, sem me dar tempo de reter uma única memória que fosse. Sem me dar tempo de te conhecer. Gostava tanto de te conhecer, pai.
 
A minha prima, a minha metade, a irmã mais verdadeira que alguma vez irei ter. Desde que nasceste e te peguei ao colo pela primeira vez que soube que íamos ser aliadas para o resto da vida.
 
Para os meus amigos com quem, ano após ano, tenho crescido, criado raízes, construído uma história. Que me conhecem, sem máscaras nem disfarces. Com quem basta, muita vezes, um olhar pleno de entendimento.

Tu, que tornas os meus dias menos cinzentos. Que, apesar de tudo, fazes de mim um todo mais completo e feliz.

Eu sei que há coisas sobre as quais não falo. Ainda tenho muito que bater com a cabeça na parede. Ainda tenho muito caos interior para dissipar. Mas não quero mais, nunca mais, deixar nada por dizer. 

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