Vulnerável



Acabaram de fazer amor e ficaram os dois a apreciar o silêncio que se segue a um orgasmo. Ele acendeu um cigarro - a vida real a imitar o cinema - e, de repente, ela sentiu uma súbita vontade de chorar, mas chorar mesmo a sério, nada de lágrimas a aventurarem-se tímidas, não, uma torrente de choro, uma explosão de copiosos soluços, um acumular de tudo e de nada a desabar no pescoço dele. Não o fez. Engoliu as lágrimas como pôde, imitou-lhe o gesto de levar o cigarro à boca, ainda mais calada que o próprio silêncio.

Podia dizer-lhe que sou apaixonada por ele. Assim como assim, nunca o disse a ninguém. Podia dizer-lhe a ele. Não é que não seja óbvio, seria só mesmo para me sentir exposta, vulnerável e estúpida. Completamente estúpida. E a maneira como ele ia olhar para mim sem nada dizer, só a pensar 'coitadinha'. Para ser ainda mais ridículo, punha-me a chorar. 'Coitadinha'. Aí só me restava mesmo chorar ou morrer. Ou ambos.

Esticou o braço, repescou uma peça de roupa e começou a vestir-se, como que acometida de uma estranha pressa, uma urgência em partir, uma impossibilidade de ficar. Ele fez um ligeiro ar de interrogação - que se passa? - ela encolheu levemente os ombros - tenho frio - e continuaram naquela ausência de som, qual muralha que ambos tinham erguido.

Apetece-me tanto tocar-lhe. Porque é que não lhe toco? Sinto-a distante, é como se me quisesse dizer alguma coisa sem, no entanto, querer. Está aqui, mas não está, foi para um sítio onde ainda não me permite entrar.  

Não queria ficar nem para o banho com ele, que sempre tinha sido um dos seus momentos preferidos. Não queria ficar ali, invadida por uma tristeza morna que lhe subia pelo pescoço e lhe apertava a garganta. Mas bastou um olhar para saber que não ia a parte alguma. Bastou aquele corpo tão seu, tão desamparado na cama nua. Bastou a lembrança do que lhe tinha prometido logo ao início, que seria sempre como na primeira vez. E, até agora, tinha cumprido.

Sou exposta, vulnerável e estúpida. E sou completamente apaixonada por ti. Agora sim, posso finalmente chorar.

Comentários