Dez anos depois, é Natal




A árvore exibe-se na sala, toda enfeites e luzes, a gata aos pés a fingir que dorme. Não falta nem a rena com os olhos esbugalhados num espanto mudo, enquanto espera pacientemente pelo Pai Natal de gorro enterrado até ao nariz. Dez anos depois, o Natal entrou-me em casa. 

Como em todos os grandes desgostos, sabia que o processo de reconciliação ia ser moroso. Como fazer as pazes com o que quer que fosse quando não existia nada em mim? Se só havia um vazio. Um enorme, escuro e velho vazio e nada mais.

Ando há anos a reaprender a gostar desta época festiva. Acho que nunca saberei fazê-lo da mesma forma que ela, a minha avó celebrava o nascimento do menino Jesus como ninguém. O tempo passa, mas não cura. O tempo cura tudo, menos a morte.

Só se valoriza por completo a felicidade quando se tem presente a lembrança do sofrimento. Da tristeza que envenena, que se infiltra na pele e corrói até não restar nada. Não esqueço e sou grata por isso. Sei hoje o que é ser feliz porque um dia lidei muito de perto com a dor. Um dia após outro e ainda mais outro depois desses todos.

Felicidade é olhar para ti – para nós – e para o longo caminho que percorremos e ainda nos falta percorrer. É rejubilar com a compra da árvore, das luzes e de um sem fim de bonecada que seria ridícula não fosse o facto de ser Natal. Felicidade é enroscarmo-nos os três ao final do dia e, tantos anos depois, saber-me finalmente em paz. Dez anos depois o Natal entrou-me em casa e, desta vez, veio para ficar. 

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