Ao teu encontro



Desligou antes que eu pudesse emitir qualquer som, nem um simples gaguejar, um grunhido que fosse. Desligou e fiquei de telefone na mão, um princípio de sorriso idiota a querer nascer, a paralisia a tomar conta do cérebro. Há muito tempo que o tenho paralisado, nem sei como me ocorreu na outra noite inventar que aquele era o meu namorado. Talvez por ter dado pela falta daquela bendita aliança, talvez por querer que ele sofresse um décimo do que eu sofri, talvez apenas porque sou idiota.

Nunca pensei que acreditasse, seria impossível o meu amigo ser mais gay, se calhar nem o viu bem, vincou logo as sobrancelhas, enterrou as mãos mais fundo nos bolsos das calças e compôs um ar muito, muito sério. Como é que ele foi acreditar que eu estava, de facto, com outra pessoa? Depois de tudo. Depois de nós.

"Sabes onde me encontrar." Saberei? Se nem a mim me sei encontrar. Refugio-me. Enrosco-me pelos cantos com um livro nos joelhos e não há nada que me impeça de ser quem eu quiser, de viver as vidas com as quais apenas posso sonhar, não sou travada pela minha falta de coragem, pelo meu medo, por esta apatia. Quando leio, sou o que me apetecer. Há muito tempo que sou nada e ser nada cansa.

Foi preciso ver-me com o meu namorado gay para descobrir que me quer? Ou foi por lhe ter pedido que esperasse por mim? Não tenho feito outra coisa a não ser esperar, todos estes anos, sempre à espera, invisível como um suspiro. Dias há em que já nem recordo pelo que tanto espero. Depois fecho os olhos e lembro. As tardes cinzentas, a chuva a transbordar em mim. As noites sem rumo, a estrada mal iluminada que não leva a parte alguma. Lembro, sabendo que nunca vou querer esquecer.

Aquela última conversa, em que tanto ficou por dizer. Ambos sabíamos que era o fim e nem aí eu fui capaz de falar. Estava simplesmente ali, os olhos parados a quererem falar, mas a segurar o que as palavras não disseram. Durante longos minutos, fiquei a assistir enquanto me despedaçava o coração. O mesmo coração que em tempos tinha ajudado a reconstruir, o mesmo coração que batia agora descompassado, numa agonia de morte. Depois fui para casa e chorei toda a noite e os três dias que se seguiram.

Visto o casaco e saio para a rua. Sei exatamente onde o encontrar.

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