Mensagem


Bloqueou o ecrã e deixou-o ficar completamente negro, como se assim pudesse apagar todas as fotos dela, fotos e mais fotos a inundar-lhe o telemóvel e a vida, sozinha, com amigos, na praia, na discoteca, o sorriso a rasgar-lhe a boca, os olhos muito pintados, quase feliz, estaria feliz? Ou seria apenas vazio inscrito naquele olhar que sorria para a câmera? Eram para ele aquelas fotografias, disso estava certo e para ali estava a vê-las, uma após a outra, como um condenado sem nada a perder.

Exijo demais de mim própria. Sou demasiado dura, demasiado rígida, demasiado correta. Acredito demasiado nos outros e não em mim. Nunca em mim. E é por exigir demais que sei que, em tempo algum, jamais irei voltar para ti.

Fazia vento no dia em que se conheceram, amparados por um café fumegante naquele fim de tarde com amigos na esplanada. Reparou logo nela, o corpo delgado, os grandes olhos pestanudos. O vento colava-lhe o cabelo à boca e foi para casa com essa imagem na cabeça. Não descansou enquanto não conseguiu voltar a falar-lhe e a mensagem foi simples e direta. Arriscou, ela disse que sim e isso foi apenas o começo de algo que estava tão próximo de terminar.

Que estavas confuso. Foi o que me disseste, foram estas as exatas palavras. E eu, que nunca gostei de confusões, amarrotei três mudas de roupa num saco, deixei a chave em cima da mesa da cozinha e assim, de repente, tornei as coisas simples.

Não levou muito tempo até se mudar para casa dele. Ficar uma noite evoluiu para deixar uma escova de dentes e depois um pijama, uma muda de roupa, até que por fim ficou toda ela, inteira, ali estava, dia após dia, todas as noites. Falavam de música e de filósofos mortos, bebiam vinho na varanda e jogavam xadrez. Estavam tão perto de ficar tão longe.

Nesse dia, chegaste mais cedo e foste fumar para a cozinha. Tinhas-me dito que já não fumavas há cinco meses, mas foram tantas as coisas que disseste que, no fundo, não queriam dizer nada. O fim estava ali, escrito na tua cara, mensagem simples e direta, bem ao teu estilo, mas já se sabe que o maior cego é aquele que não quer ver.

Para ali estava, refém daquelas fotos, daquela mulher que abandonara sem, contudo, se conseguir desprender. Ainda a conseguia sentir, o cheiro entranhado nas paredes, nas almofadas, a recordá-lo de tudo o que ficara por dizer, o seu livro preferido esquecido a um canto do sofá. O cão chorava por ela todas as noites.

É a vida que escolhi viver, em vez daquela que escolheste para mim. Fecho-me em casa e choro até desidratar, perco-me pelas ruas até de manhã, bebo shots de tequila até encher a cara e danço como se ninguém estivesse a ver. E tiro fotos, muitas fotos e em cada uma delas cabe um bocadinho de mim. Em cada uma delas largo um pedaço de ti.

Desbloqueou novamente o telemóvel. Mais uma fotografia, apenas um dedo, erguido, despreocupado, livre. A mensagem não podia ser mais clara.

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