Madrinha


Parou de balouçar, pousou um pé no chão. Teria ouvido bem? A boca congelou num sorriso, queria falar, dizer alguma coisa, perceber se era mesmo aquilo, mas os olhos inundaram de repente e aí é que não articulou palavra, com medo que a voz falhasse e a traísse, a sorte é que estava de óculos de sol, tinha sido apanhada de surpresa e tudo o que conseguiu dizer foi a sério?, a sério, a sério, não estavam a brincar, não era nenhuma partida, era mesmo a sério.

Depois de tanta birra, como ela mesma lhe chamou, mas na verdade não era birra nenhuma, na verdade era apenas um desgosto que trazia há seis anos guardado e que o álcool volta e meia gostava de ir resgatar. A última vez tinha sido em Sevilha, e que noite essa.

Não sabia ao certo como tinha ido a conversa lá parar, que o álcool tem destas coisas, uma pessoa depois não consegue pôr de pé por que motivo disse isto ou aquilo, mas desta última vez tinham chorado as duas e sabiam ambas que era assunto sério, que era mesmo um amor para a vida toda, que isto de gostar assim de uma criança era coisa rara, logo ela que não gostava de crianças nem durante o tempo em que tinha sido ela mesma uma.

E agora vinha aí mais uma criança, outro rabo de fraldas a caminho e ela não consegue evitar aquele sorriso congelado, a inundação nas pestanas, se calhar está num momento sensível, se calhar está só feliz, e como é boa a sensação. Que chatice não poder ainda contar a ninguém. Se há segredos bons, este era sem dúvida um deles.

Tem tanto medo de falhar, sempre teve, medo de falhar como pessoa, consigo mesma, com os outros, de falhar na vida. Medos, se os tem. Certezas são poucas ainda. Mas sabe e desta vez é a sério, sabe mesmo, não é a brincar, que está prestes a ser madrinha e essa certeza é maior que qualquer medo.

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