Reencontros


E, quase sem se aperceberem, foi-se apoderando deles uma tristeza morna, agridoce. Aquela tristeza permanente e muito própria que ambos carregavam. Como é bom ter quem a entenda e abrace, disseram em silêncio. 

É que falar um com o outro tornava-se quase num vício. Ou mesmo uma necessidade. Porque há sempre tanto para dizer. E por dizer. O problema era esse. O melhor era nem começarem. Não saberiam sequer por onde começar. 

Primeiro nem se olharam. Não conseguiam. Tanto tempo havia passado. Tempo a mais. Depois, pelo canto do olho, miradas rápidas, nervosas. Agora, já não sabiam como parar. 

Voltaram a lembrar as madrugadas, as palavras que pareciam não ter fim, as viagens sem destino, as canções à beira da estrada e o mar em noites de tempestade. Tenho saudades tuas, disseram sem falar. 

Tão distante já o dia em que se viram pela primeira vez, numa audição para uma peça de teatro da qual nunca ninguém tinha ouvido falar. Meia dúzia de palavras apenas e estava assim traçado o início daquela que viria a ser uma grande história de amor.

Sentavam-se lado a lado e liam um para o outro, escreviam poemas e pequenas peças que depois encenavam juntos. Mariano tocava guitarra para Gustavo, enquanto ele esboçava desenhos que nunca chegava a terminar. 

Sabiam melhor do que ninguém que é possível viver muitas vidas numa só. Ser várias pessoas e não ser nada ao mesmo tempo. Em palco, eram profissionais. Nos camarins, amantes. 

Havia entre eles uma energia indisfarçável que sempre se tinham esforçado por ocultar. Gostavam da ideia de gostar um do outro. De pensar que juntos poderiam ter sido poesia. Gostavam de idealizar aquilo que sabiam nunca se poder vir a concretizar. 

O mundo era demasiado pequeno para eles. 

E depois a vida aconteceu. Gustavo casou com uma mulher e teve dois filhos. Mariano adotou uma tartaruga e escolheu viver no seu mundo de desencanto, após vários romances falhados, angustiado e inseguro como até então. 

Ah, as dores dos poetas, esses fingidores impagáveis. 

Os anos seguiram implacáveis. O cabelo de Mariano era cada vez mais ralo, a Gustavo estalavam-lhe os ossos pela manhã. Olhavam-se agora como na primeira vez. 

E de repente já só lhes apetecia chorar.

Conversaram, conversaram muito, até se sentirem saciados, até o assunto se esgotar e depois de nada mais terem a dizer inventaram ainda um novo tema. Quando conseguiram parar, anoitecia. Deram as mãos enrugadas e ficaram a apreciar o conforto do silêncio, tão natural entre eles como as palavras. 

Agora sim, estavam a chorar. Um choro quase sem lágrimas, silencioso e resignado, como só os velhos sabem chorar. Sentiam-se dormentes. Não queriam que o momento acabasse, mas sabiam que não mais o poderiam prolongar. 

Trago-te debaixo da pele desde que te conheci, murmuraram. Há coisas que nem o tempo consegue apagar. 

Abraçaram-se longamente, quase com raiva, um abraço carregado de dor e da paixão que estivera adormecida durante todos aqueles anos. Abraçaram-se com a certeza de uma despedida. 

Os dois homens olharam-se pela última vez e perceberam ao mesmo tempo que nunca mais se voltariam a ver. 

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