Mãe


Nem preciso de esticar o braço para lhe poder tocar. Está por todo o lado, consigo senti-la em cada centímetro da minha pele, envolve-me e aconchega-me nesta que é a minha casa. É escura, silenciosa e quente. Estou tão confortável. Sinto-a andar de um lado para o outro, o movimento embala-me, acalma-me, oiço-a cantar enquanto mergulho no sono. Não sei dizer quanto tempo estive a dormir, parece-me que estou mais apertado, o espaço encolheu, mas continua a não haver em todo o mundo melhor lugar para estar. Sinto que podia aqui ficar para sempre mas há algo estranho a acontecer, algo que me força e me empurra e me expulsa. O que são estas luzes todas? Esta gente? O que se passa com os meus pulmões? Todo um mundo novo, tenho medo e estou aos gritos, mas eis que sou acolhido por um cheiro que conheço, um toque familiar, uma boca que me beija e de repente sei-me novamente em casa.   

Como é grande este quarto. E este berço. Gigante e frio. Estico o braço mas não lhe consigo tocar. Não está em parte alguma e eu estou com medo outra vez. Não quero estar sozinho, acho mesmo que vou chorar, a angústia de não a ver é demasiado forte. Onde estás? Não demora mais que uns breves segundos, mas a mim parece-me uma eternidade. Estica os braços, pega em mim e sorri. O calor do seu corpo, que é cama, alimento, aconchego e vida. Sinto-me tão seguro.

Sigo-a para todo o lado. Perto dela é sempre o melhor sítio onde posso estar. Salto e corro e tiro tudo do lugar, brincamos à apanhada e às escondidas, e todos os dias são uma festa para mim. Banana é o que mais gosto de comer. Ou pera. Há dias em que prefiro kiwis. E pão, muito pão. Mas o que mais gosto mesmo é de brincar com ela. Olha para mim e sorri. Vamos ao parque, à praia, ao centro comercial. Diz-me todos os dias que me ama e que morre de saudades minhas quando não estamos juntos. À noite embala-me até eu adormecer e às vezes traz lágrimas nos olhos, talvez seja o cansaço, a culpa, a dúvida, todo um dilúvio de emoções reprimidas. Gostava de poder dizer-lhe para não se preocupar, dizer-lhe que está a fazer tudo bem e que para mim é a melhor do mundo, mas como ainda não sei falar abraço-a com toda a força que tenho, na esperança de que ela consiga perceber.

Todos os dias me ensina uma coisa nova. A minha curiosidade não tem fim e as perguntas também não.  Para cada pergunta há sempre uma resposta e acho que ela deve ser a pessoa mais inteligente do mundo. A mais bonita sei que é. Espera-me ao portão da escola e corro ao encontro daquele abraço inundado do seu cheiro, tenho tantas coisas para lhe contar. Cobre-me de beijos, passa-me a mão pelos cabelos e ouve-me com atenção e um sorriso desenhado nos lábios. A minha mão na dela e todo um caminho para percorrer. 

Disse-lhe coisas horríveis. Palavras duras, cruéis, que ferem, que fazem doer, palavras que na verdade não sentia e que ela não merecia ouvir. E ela chorou. Chorou muito, como nunca a vi chorar antes e disse que a culpa era dela. Depois chorou ainda mais e disse que não sabia ser mãe de ninguém. Nó na garganta e o arrependimento a tomar conta de mim. Queria dizer-lhe que nada daquilo era verdade, que não passava de um imbecil e que ela era, sempre tinha sido e sempre seria o meu porto de abrigo. Queria dizer-lhe muita coisa mas não disse nada, peguei no capacete e saí porta fora, a engolir a culpa. 

Nasceu hoje o neto dela. Nasceu hoje e eu sinto-me completamente perdido. Não sei o que é suposto sentir. Tenho medo de não saber ser pai, se nem filho soube ser como devia. Estou esmagado pela dúvida, pelo receio, por este amor desmedido. O neto dela nasceu hoje e claro que ela não podia estar mais encantada. Embala-o nos seus braços quentes, como há muitos anos me embalou a mim. Ela, que sabe sempre o que dizer, o que fazer, ela que tem sempre as palavras certas. Ela que me ama como mais ninguém na vida. Olho para o meu filho acabado de nascer e penso que gostava que ele se parecesse um bocadinho com ela.

A minha mãe morreu. A mulher que me trouxe ao mundo, que me criou e que mais me amou deixou simplesmente de existir. Nunca mais a presença, nunca mais o cheiro do abraço, nunca mais a voz a dizer-me que sou o seu menino, o seu príncipe, o amor da vida dela. Ela, que foi o meu primeiro grande amor. A dor da perda é visceral e não sei como aplacá-la. 

Morreu a minha mãe. Tinha tanto ainda para lhe dizer. 

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