Esta estranha coisa que é ser mãe


Nunca quis ser mãe. Nunca me achei capaz de gerar, dar vida e criar outro ser humano. Talvez pelo medo do fracasso, do peso da responsabilidade, talvez pela ideia distorcida de que certas coisas simplesmente não estavam destinadas a acontecer-me.

Depois conhecemos pessoas que nos deixam o mundo às avessas e fazem-nos querer mais da vida para além da mera existência.

 

Há quase dois anos que tento ser a melhor versão de mim mesma, com muitos erros e recomeços, avanços e retrocessos, dias bons e dias menos bons. Tenho aprendido muito. Depois de todas as coisas que não me disseram, há muitas, tantas outras, que de tanto serem repetidas são já clichê mas na verdade só agora começam a fazer sentido. Estas são apenas algumas que tenho descoberto com o meu filho e com esta estranha coisa que é ser mãe.

 

Aquilo que dizemos acaba por nos cair em cheio na testa

O meu filho não vai fazer birras em público. O meu filho não vai jantar a ver desenhos animados na televisão. O meu filho não vai mamar/usar chucha/usar fralda/dormir na cama dos pais até tarde. O meu filho não vai ser esquisito com a comida. A lista é interminável. Idealizamos bastante antes de sermos mães, criamos expectativas que em nada correspondem à realidade e que, muitas vezes, se desmoronam logo nos primeiros meses de vida do bebé. Depois aceitamos, fazemos as pazes, reajustamos. Descobrimos que hoje o alimento preferido é arroz, mas que pode ser completamente posto de lado dentro de uma semana. Decidimos que comer a ver bonecos ou a brincar com os carrinhos não é, afinal de contas, assim tão grave. Tentamos gerir as birras o melhor que podemos enquanto lutamos contra a vontade de nos atirarmos, também nós, para o chão. E aprendemos que cada criança é diferente, cada um tem o seu tempo, há que respeitar e não forçar uma coisa que, mais tarde ou mais cedo, vai acabar por acontecer. 

 

Empatia, tolerância e muita paciência

Para com a criança, mas não só. Empatia também para com as mães, a quem são apontados, em tantas e tão diversas ocasiões, mais dedos do que aqueles que cabem numa mão. Às mães tudo se lhes exige e nada se lhes perdoa. Têm de ser mães extremosas, profissionais exemplares, esposas irrepreensíveis, donas de casa dedicadas. São julgadas à mínima falha e acusadas de ser as culpadas de tudo o que os filhos possam fazer de errado, como se já não lhes bastasse carregar a própria culpa, um fardo bem conhecido de qualquer mãe. São presas por ter cão e presas por não ter. E tantas vezes os juízos de valor partem de outras mães. Contra mim mesma falo, em mim nunca abundou paciência, tolerância ou empatia. É tão mais fácil julgar do que colocarmo-nos na pele do outro. A teoria é fácil de debitar, o desafio consiste exatamente em pôr em prática e só eu sei o quanto me esforço, dia após dia, para estar mais perto da pessoa que quero ser.

 

A maternidade traz fantasmas da infância

Enquanto mãe, o meu maior receio sempre foi e continua a ser danificar o meu filho. Com palavras, com atos, com a falta deles. O peso de ser responsável pela pessoa em que ele se vai tornar. O medo de perpetuar padrões. Os fantasmas e demónios que temos enterrados, e julgamos bem adormecidos, surgem da profundezas para nos atormentar. Tenho uma amiga, sábia, que resume tudo muito bem, ao dizer que a maternidade é “metamorfose e catarse”. E é também medo, culpa, insegurança, dúvida, mil e uma perguntas, muitas das quais para sempre sem resposta. Mas se temos medo, se nos questionamos, se tentamos fazer e ser mais e melhor, então é porque alguma coisa estaremos a fazer bem.

 

Não há nada que se compare ao amor entre mãe e filho

Costumo dizer que não há ninguém neste mundo que olhe para mim como o meu filho me olha. Aquela mescla de amor e adoração, de inocência pura, o olhar de alguém que nos confia a vida sem hesitar por um segundo que seja. Tudo é perdoado e esquecido quando nos deitam os bracinhos pequeninos ao pescoço ou sorriem para nós ou esfregam o nariz no nosso. Podemos passar horas a olhar para eles, a vê-los dormir, a cheirá-los, a pensar "fui eu que fiz!", orgulhosamente, qual artista a admirar a sua obra-prima. E, sim, para nós, os nossos filhos são sempre lindos – bem me diziam que somos incapazes de os achar feios, mas custava-me a acreditar.

 

Novos medos e preocupação constante

Depois de ele nascer, pensei muitas vezes "agora não posso morrer". Perdi não só o direito a estar doente como também o direito a falecer. Tenho essa enorme responsabilidade que é continuar viva e não deixar órfão o meu filho. Com ele descobri medos que não tinha e aprendi que é possível viver estando sempre preocupada com alguma coisa. Se come bem, se dorme o necessário, se terá frio ou calor, se está feliz e bem tratado na escola, se está doente, se tem estímulos suficientes, se passa demasiadas horas a ver televisão, se estou a fazer tudo o que é suposto... É um rol de preocupações que nunca mais acaba. E que, dizem, dura a vida toda.

 

O terror que são as birras

E se o meu filho se atirar para o chão aos gritos no meio da rua? O que faço? Esta dúvida sempre me inquietou e ainda hoje não tenho resposta para ela. É aqui que toda a teoria é realmente posta em prática, respirar fundo, manter a calma, não gritar, perceber a frustração da criança, acolher, mas.... E quando tudo isto falha e a paciência foge a sete pés para parte incerta? É aí que chega e se apodera de mim aquilo a que chamo de "o meu gene mau", que grita, que fica furioso, que é irascível, que está simplesmente errado. Quando não o consigo reprimir e o deixo tomar conta da situação, sinto-me a pior mãe do mundo. Tantas vezes penso que não sei ser mãe de ninguém, tantas. E depois, já se sabe, vem a culpa, farto-me de chorar, peço desculpa ao meu filho, prometo ser melhor da próxima vez. Mas nem sempre sou. E espero, do fundo do coração espero sempre que ele possa realmente perdoar-me. 


É o trabalho mais difícil do mundo

Não remunerado e vitalício. Sem direito a folgas nem férias. Com muitas horas extra e improviso pelo meio. Daqueles trabalhos a tempo inteiro que nos viram a vida de pernas para o ar. Acabou-se dormir até tarde, comer fora todas as semanas, as tardes de domingo no sofá, as sandes ao jantar porque não apetece cozinhar, as idas às casa de banho sozinha. É o trabalho com o maior nível de responsabilidade que alguma vez tive e o único onde estou constantemente a cometer erros e a falhar sem nunca ser despedida. 

 

Os clichês existem mesmo por algum motivo

E eu que detesto clichês, frases feitas, aquelas trivialidades a atirar para o lamechas como o ter um filho é ter o coração a bater fora do peito. Odeio lugares-comuns, mas que muitos fazem sentido, lá isso fazem. Por algum motivo terão vingado ao longo do tempo e ainda hoje toda a gente sabe que mãe há só uma, que é "o melhor que a gente tem e não há outro amor na vida igual ao amor de mãe". Que atire a primeira pedra quem não leu esta última frase a cantar. 

Comentários

  1. Ser mãe faz parte do mundo natural. Nunca nada e bastante bom para os nossos filhos. Ainda hoje sofro por tudo o que eu não correu tão bem contigo. Agora gostava de poder ajudar-te mais. Mas cada vez consigo menos. Grande parte da vida não está sob o nosso controle. Temos que aprender a aceitar. Penso que a proteção excessiva traz mais debilidade. Por muito que nos doa os nossos filhos terão que enfrentar mundo

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